JUROS ABUSIVOS: Ser ou Não Ser, eis a questão!


Por Rita Aleixes
Estão suspensos no País todos os processos em trâmite nos Juizados Especiais Cíveis, nos quais se discute a cobrança de juros aplicados em contratos de cartão de crédito. A determinação foi de um dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma reclamação apresentada pelo Banco Bradesco contra uma decisão da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais de Mato Grosso, que limitou os juros remuneratórios em 2% ao mês, juros moratórios em 1% mensal, além de correção monetária pelo INPC a partir do desembolso. O deslinde dessa disputa é por demais precioso. 

Em tempos atuais, o cartão magnético, de crédito ou débito, tornou-se um produto popular entre os consumidores dos serviços bancários. O Instituto Datafolha divulgou pesquisa demonstrando que 71% da população já utiliza o ‘dinheiro de plástico’. Para 2011, a Empresa Brasileira de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) prevê um faturamento mínimo das administradoras de cartões na ordem de R$ 535 bilhões. Não obstante isso, assistimos muitos conflitos originados na relação contratual entre operadora de cartões e usuários. Ao longo do tempo, o endividamento insuportável desencadeou a propositura de milhares de ações judiciais com objetivo de rever os valores exigidos pelos Bancos, alegando-se a abusividade dos percentuais de juros cobrados. Em geral, as principais operadoras bancárias fixam encargos financeiros entre 240% a 320% ao ano, se considerado o Custo Efetivo Total (CET).

Afinal, o percentual médio de 240% ao ano e a permitida capitalização de juros são institutos perversos sob a ótica da Constituição Federal e das disposições trazidas pelo Código do Consumidor? A resposta está por vir do próprio Superior Tribunal de Justiça. 
Em decisões anteriores, o STJ nivelou as empresas administradoras de cartão de crédito às instituições financeiras, reconhecendo que os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Agiotagem (Sumula 283). Outras Súmulas do STJ também favorecem os bancos quando impedem aos Juízes o reconhecimento de oficio de cláusulas abusivas (Sumula 381) e estipulam que os juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade (Sumula 382).

Por outro lado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou relatório de pesquisa sobre os 100 maiores litigantes do País, indicando que da análise na categoria Setor de Atividade, as instituições bancárias e as entidades do Setor Público representam cerca de 76% do total de ações do segmento analisado, enquanto o setor bancário corresponde a mais da metade do total de processos pertencentes aos 100 maiores litigantes da Justiça Estadual (54%).

Não seria necessária uma análise qualitativa sobre as razões efetivas que sustentam tanto conflito nas relações de consumo de crédito?

Em outra pesquisa recente -“O Brasileiro e sua relação com o Dinheiro”, o Banco Central aponta que, não obstante a forma de pagamento mais usada pela população ainda ser o dinheiro, verificou-se um crescimento significativo do número de brasileiros que possuem conta corrente, passando de 39% em 2007 para 51% em 2010, bem como houve um considerável crescimento da participação do cartão, tanto de crédito quanto de débito, no pagamento de contas e compras, principalmente nas compras de super/hipermercados, eletrodomésticos, roupas e calçados. 
Na mesma pesquisa, alguns outros dados relevantes podem ser percebidos, a exemplo do fato de a maioria dos ali entrevistados pertencer à Classe C e sua maioria possuir renda média mensal de até 3 salários mínimos. Desses, 43% são usuários de cartão de crédito ou débito. Com isso, arriscamos concluir que as Classes C e B serão oneradas diretamente por essa cobrança excessiva de juros, justamente esses que se traduzem em consumidores de bens de consumo de primeira necessidade. 

A ser reconhecida a legalidade da cobrança de juros na ordem média de 240%, p.ex., temos que uma fatura não liquidada de R$ 545,00, após 12 meses deverá ser paga no total de R$ 2.083,00. Ora, não restam dúvidas que nesses percentuais, a taxa média de juros certamente perverterá a efetivação dos princípios da ‘função social do contrato’ (art. 421, do Código Civil), da garantia da defesa do consumidor (art. 170, inciso V, da Constituição Federal), além de inibir o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (arts.4º, I e 6º, V, do CDC). 

Merece apoio o posicionamento dos atuais Magistrados dos Tribunais Regionais e os Juizados Especiais os quais, preocupados com o efeito social de suas decisões judiciais, têm se manifestado resistentemente contrários à interpretação anunciada pelas Cortes Superiores, motivando, a partir dos seus julgamentos, uma reflexão profunda sobre a legitimidade de uma interpretação puramente econômica das leis, por muitas vezes descuidar da obrigatória proteção constitucional aos direitos sociais e coletivos. Nas palavras de um nobre Magistrado do Judiciário Baiano Dr. Gerivaldo Neiva, “às vezes a gente se apaixona pela Justiça, mas nem tanto pelo Direito”.


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