TRANSITO E PREVIDÊNCIA: QUESTÃO DE POLÍTICA PÚBLICA E AÇÃO COLETIVA



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Este texto é uma homenagem ao Sr. José de Souza da Silva, brasileiro, 54 anos, que não conheci. Ele morreu em serviço no dia 26.05.2010, quando trabalhava na limpeza de um dos canteiros centrais da nossa cidade. No dia em que nossos caminhos se cruzariam, minutos antes, ele foi atropelado. Ele era Gari da Prefeitura de Cuiabá-MT.6

Por Rita Aleixes

O Código Nacional de Trânsito foi promulgado pela Lei nº 9.503, em 23.09.1997. Em 2004, o Governo Federal anunciava a criação de uma Política Nacional de Transito[1], tratando o tema segurança no trânsito como um problema “absolutamente urgente no Brasil”. Segundo informações oficiais, a cada ano, mais de 33 mil pessoas foram mortas e cerca de 400 mil ficaram feridas ou inválidas em ocorrências de trânsito[2]. 

Assim, a Política Nacional de Transito previu entre as suas diretrizes gerais a intensificação da fiscalização e o combate a impunidade no trânsito; conclusão e aprimoramento da regulamentação do Código de Trânsito Brasileiro; intensificação da fiscalização de regularidade da documentação de condutor, do veículo e das condições veiculares, entre outras[3], tudo sob a responsabilidade integrada da Administração Federal, Estadual e Municipal e demais Poderes constituídos, bem como de toda a sociedade. 

Naquele mesmo momento, o Governo Federal reconhecia que, não obstante o setor de trânsito em geral contar com receitas provenientes de várias fontes, este vinha garantido, em grande parte, pela receita proveniente das multas, constituindo um grande risco e contradição, uma vez que o desejável é um trânsito disciplinado com reduzido número de infrações[4]

Decorridos 14 anos, o Ministério da Previdência Social anuncia o ajuizamento da primeira ação regressiva em razão de acidentes de trânsito graves – com mortes ou lesões sérias, em desfavor dos agentes que tenham causado esses acidentes, de certo modo como forma de combate à impunidade de motoristas infratores. A intenção oficialmente anunciada é buscar o ressarcimento financeiro à Previdência (via de consequência aos cofres públicos) que hoje arca solitariamente com os pagamentos de pensões por morte, aposentadorias e auxílios-acidente, perante as próprias vítimas ou seus descendentes, na hipótese de acidentes fatais. 

Não obstante a medida anunciada ter sido bem recebida pela sociedade, especialistas em desenvolvimento urbano imediatamente começaram a expor aquilo que entendem ser grandes desafios ou fragilidades da medida anunciada pelo INSS, através da Procuradoria Federal e da Advocacia Geral da União, frente a legislação previdenciária e demais normas que regulamentam o assunto. 

Cite-se, por exemplo, as inúmeras dificuldades institucionais enfrentadas pelo Poder Judiciário, hoje detentor de milhares de ações indenizatórias movidas por litigantes diversos (consumidores, contribuintes, pensionistas e a própria coletividade através de ações coletivas e ações civis públicas com pedidos reparatórios por danos a direitos difusos), e que na maioria das vezes tramitam por vários anos sem que alcancem um efetivo retorno financeiro. Isso porque, tem sido impossível ao Judiciário (sozinho) mitigar os efeitos na prática de desvio ou ocultação patrimonial promovido por executados de todas as espécies, estes justamente com o intuito de evitar a execução judicial de seus bens patrimoniais frente a uma sentença condenatória.

Por isso, a efetividade de iniciativas dessa ordem depende também do fortalecimento institucional do Poder Judiciário nos Estados, seja quanto ao seu quadro funcional, seja quanto ao aparelhamento adequado de sua estrutura operacional, inclusive, com a criação de quadro técnico especializado, suficientes ao pleno desempenho da atividade judiciária. 

A mesma sorte deve merecer os poderes Executivo e Legislativo, pois a Política Nacional de Transito também estabeleceu explicitas responsabilidades estes, a exemplo da ordem de qualificação e aprimoramento contínuos de gestão dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Transito, adoção de medidas de fiscalização que aumentem a segurança de trânsito, modernização e complementação das normas legais necessárias a eficiente regulamentação do Código de Trânsito Brasileiro, adoção de medidas que resultem em redução dos grandes impactos negativos causados ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e arquitetônico e na própria economia urbana, representados pela redução da acessibilidade das pessoas ao espaço urbano, pelo aumento dos congestionamentos, da poluição atmosférica, dos acidentes de trânsito e pela invasão das áreas residenciais e de vivência coletiva por tráfego inadequado de veículos. 

Porém, o sintoma mais preocupante é a sensação de uma impunidade generalizada, pela ausência ou precariedade da fiscalização, pela falta de rigor nos processos de habilitação de condutores, pelo licenciamento de veículos sem o devido pagamento das multas e impostos e sem a devida vistoria sobre as condições de manutenção e segurança do veículo, e também pela ausência de uma legislação eficaz[5]. 

Não se trata de diminuir a importância da medida recentemente anunciada, mas sim – arriscamos dizer – por tratar-se de política pública, e diante do cotidiano cruel e desumano delineado no transito brasileiro, os demais objetivos traçados pela Política Nacional de Transito devem ser igualmente priorizados pelos entes políticos e administrativos envolvidos, objetivando a prevenção de acidentes, porque sabemos que antes de uma boa indenização, as famílias vítimas de delitos de transito desejariam nunca terem perdido seus filhos, maridos, irmãos ou amigos. 

Aliás, o objetivo maior da Política Nacional de Trânsito é priorizar a preservação da vida, da saúde e do meio ambiente, visando à redução do número de vítimas, dos índices e da gravidade dos acidentes de trânsito e da emissão de poluentes e ruídos.

REFERENCIAS: 
[1] O Brasil já havia aderido aos termos propostos pela Convenção sobre o Tráfego Viário de Viena, por meio do Decreto 86.714, de 10 de dezembro de 1981, bem como ao Acordo sobre a Regulamentação Básica Unificada de Trânsito, entre Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, autorizado por Decreto de 3 de agosto de 1993. 
[2]Ministério da Saúde, Departamento de Informática do SUS, http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/PNT.pdf, acesso 02.11.2011.) 
[3] Brasil, Resolução Denatran nº 166/2004 – Aprova as diretrizes da Política Nacional de Trânsito, in: http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/resolucao166_04.doc. 
 [4] Dotações orçamentárias, multas, convênios, pedágios, IPVA, financiamentos, taxas de estacionamento, licenciamento e habilitação. 
[5]Assoc. Nacional de Transportes Públicos, http://hist.antp.org.br/telas/transito/capitulo1_transito3.htm 
[6] Jornal Olhar Direto, www.olhardireto.com.br, em 26.05.2010.

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