Vícios de Construção: o Seguro Habitacional deve cobrir?

Foto: faberludens.com.br
Por: Iara (iara_urbano_6.gif)

A partir deste ano, iniciam-se as entregas dos inúmeros empreendimentos imobiliários espalhados por quase todas as cidades brasileiras. Para aquele adquirente de um imóvel novo, é também o momento de atenção especial para as condições físicas relatadas no ‘Termo de Vistoria e entrega de Chaves de Imóvel’, documento este no  qual o novo proprietário declara e aceita expressamente a condições físicas/estruturais apresentadas pelo vendedor (construtora ou pessoa física). 

Porém, e muitas das vezes, o comprador/consumidor é surpreendido com os chamados ‘vícios de construção’., que podem ser aparentes ou ocultos. Ou ainda, podem afetar a saúde ou segurança do consumidor, ou mesmo, tornar o imóvel impróprio para o uso pretendido ou ainda diminuir-lhe o valor. 


Nesses casos, a dúvida surge quanto a responsabilidade da seguradora pela cobertura desses vícios. Os principais Tribunais Judiciários Brasileiros entendem que a recusa da seguradora em pagar os valores necessários a recuperação de vícios de construção, deve ser declarada condição abusiva e nula frente as disposições do Código de Defesa do Consumidor(CDC), principalmente para os imóveis financiados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), hipótese em que a contratação de seguro habitacional é obrigatória. Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. APÓLICE PRIVADA. AÇÃO AJUIZADA CONTRA SEGURADORA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA. COBERTURA SECURITÁRIA. SÚMULAS 5, 7/STJ. MULTA DECENDIAL. DECISÃO AGRAVADA MANUTENÇÃO.
(...) omissis
4.- Os mutuários-segurados são legítimos a pleitearem o recebimento da multa junto com o adimplemento da obrigação, quando presentes vícios decorrentes da construção.
5.- É devida a multa decendial, pactuada entre as partes para o caso de atraso do pagamento da indenização objeto do seguro obrigatório.
6.- Mesmo quando o contrato de mútuo é firmado sem a participação efetiva da empresa seguradora, é de se reconhecer que, tratando-se de um seguro obrigatório, estabelece-se, necessariamente, uma relação jurídica entre ela e o mutuário.
7.-  Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 99.486/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 29/05/2012)

  
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA DE RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL SECURITÁRIA - SFH - SEGURO HABITACIONAL OBRIGATÓRIO - LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO - CEF - INEXISTÊNCIA DE INTERESSE - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ - RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA - RECONHECIMENTO - PRECEDENTES - MULTA DECENDIAL E CARACTERIZAÇÃO DA MORA - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO ORA AGRAVADA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 182/STJ - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 1400507/SC, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/10/2011, DJe 13/10/2011)
    Tem competência a Justiça Estadual para julgar ação que discute cobertura de seguro relacionada a danos oriundos dos vícios de construção do imóvel financiado mediante contrato de mútuo submetido ao Sistema Financeiro de Habitação na hipótese em que não houver afetação do Fundo de Compensação de Variações Salariais, pois a Segunda Seção do STJ consolidou entendimento no sentido de não existir interesse da Caixa Econômica Federal a justificar a formação de litisconsórcio passivo necessário com a seguradora.
     São de responsabilidade das seguradoras os vícios decorrentes de construção em se tratando de contrato de seguro habitacional obrigatório regido pelas regras do Sistema Financeiro de Habitação, conforme precedente do STJ, não caracterizando esse entendimento negativa de vigência ao art. 1.460 do Código Civil de 1916.

Ao menos para essa majoritária corrente doutrinária é inequívoca a obrigação da seguradora, em alguns casos até solidariamente com o agente financeiro, de fazer a cobertura securitária em favor do mutuário-consumidor. São esses os principais argumentos:
i) O agente financeiro que concede empréstimo para aquisição da casa própria no âmbito do SFH, responde solidariamente pelos vícios de construção, tendo em vista a sua obrigação legal de fiscalizar todas as etapas do empreendimento imobiliário em construção, inclusive antes da liberação das respectivas parcelas e sempre com o aval de profissionais técnicos capacitados[1].
ii) O agente financeiro participante ativo em processo de incorporação imobiliária no âmbito de programa habitacional, ao exigir a contratação concomitante de seguro habitacional (por vezes, com empresas seguradoras do mesmo grupo econômico), também estabelece com o mutuário relação jurídica financeira sujeita as normas do Código de Defesa do Consumidor (vide Sumula STJ 297). Assim, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas preferencialmente em favor daquele que adere ao contrato de financiamento e de seguro.
iii) Na maioria dos contratos firmados com garantia hipotecária (onde o imóvel é a própria garantia da dívida), a liberdade contratual resta particularizada, posto que tanto o contrato de financiamento, quanto a contratação do próprio seguro habitacional somente é imposta ao mutuário após previa vistoria do imóvel por prepostos/técnicos capacitados e de escolha exclusiva da seguradora ou mesmo pelo agente financeiro, ou seja, sem nenhuma participação do adquirente contratante-aderente.
iv) Por fim, a clausula contratual que exclui da cobertura securitária nas hipóteses de vícios de construção apresentam-se abusivas, posto que coloca o consumidor em desvantagem excessiva, além de restringir direitos e obrigações inerentes a própria natureza do contrato de seguro (Súmula STJ – 297 c/c o art. 51, IV c/c § 1º, do CDC).
Não fosse por tudo isso, impõe-se reconhecer que, no âmbito desse complexo circuito negocial, integrado por diversos atores (bancos acionistas, construtor, credor hipotecário, seguradora e consumidor) inexiste um momento prévio de negociação entre os contratantes,  consequentemente inexistindo um efetivo poder de  barganha, vulnerando ainda mais a situação do adquirente de imóvel financiado[2].
A partir daí, nos associamos àqueles que entendem ser obrigatória a responsabilidade da seguradora por cobertura de vícios de construção de imóveis financiados pelo SFH, seja para que aquela libere recursos financeiros necessários a reparação do dano/vício, ou mesmo para que providencie diretamente a realização da obra necessária a recuperação do imóvel.

Rita Aleixes é advogada em Cuiabá-MT.
Julho/2012.



[1] Processo n. 2003.51.52.007078-0sentença proferida pelo Juiz Federal José Arthur Diniz Borges – TRF-Seção Judiciária de Niterói-RJ.
 [2] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 3ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 72.


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