Moradia: Direito Social?


Minha Casa... Sonho Meu e do Banco.
Rita Aleixes*
O setor imobiliário está acalorado. Não andamos por qualquer cidade brasileira sem nos deparar com panfletos ou ‘stand’ de venda de apartamentos e casas de todos os modelos e para todos os gostos. O acesso a uma habitação digna é essencial ao bem estar econômico, psicológico, social e físico do cidadão. Tanto assim que, nas campanhas publicitárias dos empreendimentos habitacionais, o conceito de felicidade e realização vem sempre associado à oferta de segurança, lazer, infraestrutura completa e, também, a facilidade de obtenção de financiamento bancário para a sua aquisição.
Residencial 'pronto' localizado na cidade de Peixe-TO
Entretanto, essa agitação no mercado imobiliário não é recente como muitos acreditam. Pelos menos nas últimas duas décadas, vivenciamos intensos movimentos no setor imobiliário por um motivo quase que específico e certamente contrário ao contexto atual: o grande número de mutuários que não conseguem pagar as prestações mensais exigidas pelos agentes financeiros e sofrem diante do pesadelo de perder os seus imóveis.
Após sentir os impactos socioeconômicos de milhares de ações judiciais movidas contra os bancos, principalmente em desfavor da Caixa Econômica Federal-CEF, principal agente do setor, o Governo decidiu intervir criando uma nova Empresa (EMGEA) responsável pelo programa de incentivo à renegociação dos contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com descontos de até 100% para alguns casos.  Na ocasião, reconheceu-se institucionalmente que os contratos firmados no âmbito do SFH apresentavam inadimplência crescente (57,38% dos contratos apresentavam mais de três prestações em atraso). Pior, quase 45% do total dos contratos habitacionais possuíam algum tipo de demanda judicial ou extrajudicial, ora proposta pelo mutuário contra o banco, ora proposta pelo banco contra o mutuário.
Nessa batalha coletiva modestos avanços foram alcançados em favor dos mutuários, mas eles também amargaram significativas derrotas no Judiciário. Exemplo disso, o reconhecimento da constitucionalidade da Execução Extrajudicial, mecanismo utilizado pelos agentes financeiros e que levaram milhares de mutuários a perder definitivamente os seus imóveis, mesmo tendo liquidado anos de financiamento bancário, esquecendo a finalidade social do Sistema.
Atualmente, tanto os bancos quanto o Governo percebem o segmento imobiliário como ótimo investimento financeiro e de garantido retorno político, resultando na grande oferta de crédito.  Não obstante os bons ventos que sopram sobre a ‘casa própria’, é necessário que o mutuário atente para os valores do financiamento proposto, pois podem significar prestações mensais impactantes frente ao orçamento doméstico.
Mesmo para as aquisições contempladas com recursos do FGTS é importante uma análise cuidadosa dos valores e condições propostos, vez que imóveis entre 40m² a 60m², ainda que classificados como populares, estão sendo comercializados por até R$ 2.000,00 o metro quadrado. Simulação junto ao site da CEF indica que para a aquisição de um imóvel no valor de R$ 150 mil, seria possível um financiamento aproximado de R$ 114 mil, com prestação inicial de R$ 1.140,00. No caso simulado, mesmo diante dos novos sistemas de amortização da dívida, somente após 5 anos de financiamento as prestações mensais reduziriam a patamar inferior a R$ 1.000,00.
Mas não é só isso. Os contratos habitacionais são elaborados na forma de contrato de adesão (ou seja, aquele que o mutuário apenas adere às condições pré-formuladas pelo agente financeiro), sustentados em alterações legais significativas, e que podem ser desfavoráveis ao adquirente. A exemplo, cite-se os novos sistemas de amortização do saldo devedor financiado, SAC e SACRE que não utilizam o Plano de Equivalência Salarial (PES) como critério de correção dos encargos mensais; o simples aumento dos prazos para pagamento, elastece o tempo de endividamento, ficando o financiado muito mais exposto aos reflexos de um contexto inflacionário; e os atuais contratos já prevêm explicitamente a capitalização de juros na atualização da dívida vincenda, desrespeitando o entendimento judiciário sobre essa matéria.
As propostas para aquisição de imóveis residenciais através de financiamento devem ser analisadas minuciosamente frente a capacidade de renda da família. Mal planejado, o financiamento pode resultar num tremendo pesadelo para o mutuário e tornar realidade apenas os sonhos do banco, ou seja, os exponenciais lucros que o setor vem contabilizando nos últimos vinte anos. As ofertas de moradias novas, por enquanto, tendem a atender a todos os ‘sonhos’, mas certamente não cabem em todos os “bolsos”.
*Advogada especialista em Direito Imobiliário e Direito Agroambiental. Website: www.mdla.adv.br

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