O “CONTRATO DE GAVETA” PARA COMPRA DE IMÓVEIS FINANCIADOS: EFEITOS e DEFEITOS...

Após longas idas e vindas, a tentativa de legalização do ‘contrato de gaveta’ utilizado por particulares para a venda de imóveis financiados junto ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH, finalmente parece ter se transformado em um "movimento coletivo". Iniciado pelo Judiciário, através de seu posicionamento em inúmeros julgados, segmentos institucionais acabaram por adotar medidas autorizando a regularização da moradia própria pelos adquirentes de imóveis financiados no SFH. Considerando o princípio da generalidade como característica essencial das normas legais, concluímos que a nova proposta de valoração legal desse negócio jurídico trará maior proteção tanto ao direito daquele que adquire quanto daquele que transmite o imóvel financiado.
Cite-se como exemplo as experiências realizadas pelas Cohab’s nos Estados de São Paulo, Paraná (Curitiba) e Pernambuco, através das respectivas Administrações Municipais, incentivando a regularização desses instrumentos particulares frente ao agente financiador (credor hipotecário), e via de conseqüência buscando desestimular a inadimplência quanto ao pagamento do financiamento assumido com recursos públicos.
Entendemos que justamente nesse contexto foi editado o recentíssimo Provimento nº 037/2008, pela Corregedoria Geral de Justiça em Mato Grosso, reconhecendo que a comercialização entre particulares de imóveis financiados no SFH é inegável realidade social, posto que consiste no caminho mais rápido para a obtenção da casa própria, e portanto propõe-se a contribuir para a maior segurança desse negócio jurídico, além de reduzir a possibilidade de conflitos sociais envolvendo terceiros de boa-fé.
Não há dúvidas que essa opção de negociação de imóveis financiados, a princípio alheia a participação do agente financeiro, assume contornos sociais importantes, por atingir um grande número de proprietários principalmente junto aos residenciais direcionados a população de baixa e média renda, pois o ‘contrato de gaveta’ significa uma alternativa mais imediata e com “menos entrave” para aquisição da tão sonhada casa própria. Ou seja, não exige comprovação de renda, tampouco limite mínimo de capacidade de pagamento, e na maioria das vezes nem avalista ou fiadores, apenas testemunhas.
O recente normativo editado pela Corregedoria do TJ-MT, em regra geral, autoriza a averbação dos contratos de gaveta e respectivas transferências relativas a imóveis financiados pelo SFH, formalizados por instrumento público ou particular, apenas sendo imprescindível que as assinaturas dos contratantes e testemunhas estejam com firmas reconhecidas, independente de anuência prévia ou intervenção do agente financeiro credor.
O objetivo é registrar os principais dados desse negócio jurídico particular, como a qualificação completa dos adquirentes, o valor total do negócio, a forma e condições de pagamento, bem assim o arquivamento público do instrumento particular firmado entre os contratantes.
Há de se atentar que a averbação do contrato particular junto a matrícula do imóvel financiado não tem caráter constitutivo de direito real, ou seja, não garante automaticamente a propriedade do imóvel. Destina-se apenas a dar notícia da existência do negócio jurídico frente a terceiros, portanto, não substitui o indispensável registro da transferência da propriedade do bem, na forma hoje prevista na Lei de Registro Público e demais legislação civil.
Em nosso ordenamento jurídico, ainda temos a Lei nº 10.150/2000, que autoriza a regularização dos contratos de gaveta, diretamente pelo agente financeiro, inclusive para aqueles financiamentos que mantém o direito de cobertura do FCVS – Fundo de Compensação e Variação Salarial, ou seja, que dispensa o mutuário ao final do prazo contratado de liquidar eventual saldo devedor residual, desde que o instrumento particular tenha sido firmado em data anterior a 25/10/1996.
Porém, um aspecto relevante e indispensável, será a definição mais detalhada sobre os limites adotados para a efetivação das averbações cartoriais, vez que diversos atos dessa natureza são disciplinados por lei específica.
A averbação do contrato particular junto a matrícula do imóvel por si só, não deve ser entendida como suficiente a trazer tranqüilidade absoluta as partes envolvidas. Os principais riscos são: os encargos mensais do financiamento continuam a seguir a evolução salarial do mutuário originário; o eventual direito de herdeiros sobre os valores de seguro habitacional em caso de falecimento do vendedor-gaveteiro; a possível ausência de cobertura de seguro habitacional, em caso de falecimento do comprador-gaveteiro, ainda que este tenha realizado a contribuição securitária através do pagamento das prestações mensais em nome do antigo proprietário; a habilitação do contrato de gaveta sobre o imóvel, acaso haja separação judicial entre os mutuários originários, etc.
Por fim, o próprio Judiciário tem orientado que o legítimo reconhecimento do direito à aquisição de propriedade de imóvel por terceiros gaveteiros, sem anuência do agente financeiro, depende da apresentação de outras provas de sua condição, a exemplo da posse direta do imóvel e o uso próprio familiar, portanto merecendo todos os casos uma análise individualizada. (1ª publicação em Cuiabá, 23.08.2008).


[1] Advogada e Professora em Cuiabá/MT.

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